Linhas de Pesquisa

Estudos do Atlântico e da Diáspora Africana, traz consigo alguns significados e conceitos, que remetem a sua amplitude temática, geográfica e cronológica. Esses significados e conceitos têm um impacto direto sob a perspectiva pela qual se analisa os fenômenos e processos sociais, sejam eles em suas dimensões sincrônicas ou diacrônicas. Assim sendo, para contextualizar em que âmbito teórico, metodológico se inscreve a proposta do Grupo de Pesquisa, cumpre especificar o que se entende ao se cunhar essa expressão.

 DO ATLÂNTICO
Atlântico, além de sua conotação geográfica mais imediata – o oceano que separa a Europa e a África das Américas –, tem sido pensado e proposto como um espaço de contato e circulação de pessoas procedentes destas três porções de terra e, com elas, suas idéias, memórias, valores, tradições, línguas, literaturas, políticas, economias, enfim, tudo que o ser humano carrega e que lhe confere a característica de um ente que produz cultura.
Os pioneiros trabalhos a respeito do Atlântico, escritos nas décadas de 1950 e 1960, ainda que com o mesmo método e o mesmo enfoque que Fernand Braudel em “O Mediterrâneo e o Mundo mediterrâneo no Tempo de Felipe II, o abordaram de uma perspectiva eurocêntrica. De acordo com John Thornton, Pierre Chaunu, em 1967, teria feito abertamente a defesa da prevalência européia sobre as demais regiões, caracterizando os europeus como os seus únicos atores (Thornton, 2004, pp.42-43).
Peter Linebuagh propôs, em um polêmico ensaio traduzido por Célia Marinho de Azevedo e publicado na Revista Brasileira de História em 1983, outra visão das relações atlânticas:
Não pensem na forma de cooperação entre estas comunidades atlânticas em termos do rígido “comércio triangular” [...]. Ao contrário imaginem a sua mão como um oceano e os dedos como os continentes: o dedo indicador é a Inglaterra, o dedo do meio é a África, o dedo anular são as Índias Ocidentais, e o mindinho é a América do Norte. Eles cooperam para construir uma imensa comunidade. O polegar associa a todos eles: o navio (1983, p. 32).

Uma década adiante, Paul Gilroy evocou também a imagem do navio, como um “sistema vivo, multicultural e micropolítico em movimento”, ligando os continentes banhados pelo Atlântico, onde projetos, idéias, ativistas e artefatos políticos e culturais (panfletos, livros e registros fotográficos) circulam (2001, p. 38). Entretanto, o foco das análises de Giroy está em um Atlântico visto pelo prisma dos africanos e afro-descendentes, não de uma perspectiva afrocêntrica, mas ressaltando as características hibridas, sincréticas e crioulas que esse movimento provocou nas duas margens do Atlântico.

DA DIÁSPORA AFRICANA
Com a discussão posta nos termos como foi colocada por Gilroy e Linebaugh, a idéia de Atlântico e a de diáspora africana apresentam-se de modo imbricado e por vezes indissociada.  Com isso não se pretende circunscrever a idéia de diáspora atlântica, apenas ao movimento gerado pela movimentação de pessoas e idéias diretamente ou indiretamente vinculadas ao tráfico de escravos.
A diáspora atlântica tem proporções muito maiores. Em verdade, a diáspora africana é um aspecto dentro deste movimento maior. Recorre-se mais uma vez Linebaugh para ilustrar a linha de raciocínio empregada aqui:
Em geral a diáspora é dividida em termos de dois tipos de pessoas: aquelas que num certo sentido eram exiladas políticas [...] e uma massa maior de “apolíticos” que partiam como trabalhadores com obrigação de serviço por tempo determinado ou como criminosos deportados (1983, p. 24).  

Nestes termos, os projetos, idéias, ativistas e artefatos políticos e culturais em movimento entre as duas margens do Atlântico são incontáveis. Assim, deste universo, recortou-se aqueles que se vinculam diretamente aos movimentos entre o Continente Africano e as Américas, entendendo que as “outras diásporas” poderão ser abordadas a partir do Estudo do Atlântico.
O destaque dado à diáspora africana justifica-se, pois:
Circunstâncias políticas, demográficas e econômicas levaram os africanos ao cerne do novo mundo atlântico após 1450. Esta mão-de-obra escrava e explorada dos africanos e de seus descendentes – os afro-americanos – e sua relevante contribuição cultural foram fundamentais na formação do mundo atlântico. Esse impacto cultural foi produto de sua integração nesse novo mundo, onde eles ocuparam posições geográficas importantes nas áreas de maior transformação (Thornton, 2004, p. 216).  

O Brasil foi uma dessas áreas e hoje concentra a maior população negra fora do continente africano. Deste modo, para se compreender corretamente a História do Brasil, e das Américas, de um modo geral, é imprescindível analisá-las levando em consideração o “sistema vivo, multicultural e micropolítico” posto em movimento continuamente por esse contingente populacional.

DAS LINHAS DE PESQUISA
Embora o recorte temático para o Grupo de Pesquisa seja amplo do ponto de vista geográfico e cronológico, ele também é específico. Os estudos que se pretende estimular deverão se debruçar sobre objetos e problemas no campo das idéias, da economia, da política, da sociedade, da cultura ou da educação, que estejam vinculados diretamente à dinâmica do mundo atlântico ou aos processos da diáspora africanas. Assim, para o desenvolvimento de nossas pesquisas, estamos agrupados nas seguintes linhas de pesquisa:

1.   Experiência da Diáspora Africana: Identidade, Cultura e Sociedade
Analisa as relações da África com o Atlântico, e, mais especificamente com o Brasil, tendo por perspectiva a diáspora africana; a presença dos africanos e seus descendentes nas sociedades do Novo Mundo e suas ações no âmbito da política, economia, educação, cultural e religião.

2.   Experiências Atlânticas: Economia, Política e Sociedade
Analisar a circularidade de pessoas, idéias, projetos econômicos, políticos, educacionais e culturais; a articulação e reorganização dos espaços sociais e urbanos; a relação portos e cidades entre si, com a hinterland e como o mundo atlântico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GILROY, Paul. O Atlântico negro. Modernidade e dupla Consciência. Rio de Janeiro: Editora 34, 2001.
LINEBAUGH, Peter. “Todas as Montanhas Atlânticas Estremeceram”. Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH; Editora Marco Zero, ano 3, nº 6, setembro de 1983. pp. 07-46.
THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico, 1400-. 1800. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.